V Congresso Luso-Brasileiro de Fenomenologia, INTENCIONALIDADE E
CUIDADO. HERANÇA E REPERCUSSÃO DA FENOMENOLOGIA
BRAGA (PORTUGAL) – UNIVERSIDADE DO MINHO – 18 a 20
Abril 2016
Trata-se de sugerir, através do
percurso Husserl – Heidegger – Derrida (este leitor do texto de Freud de 1895),
dos limites dos mestres que levaram às dissidências dos discípulos, como a
neurologia pode ajudar a posicionar a intencionalidade e o cuidado se for capaz
de ter em conta um dos grandes esquecimentos da filosofia greco-europeia, a
aprendizagem da linguagem e dos outros usos tribais: é esta que, vinda do
exterior social, passividade que se activa, estrutura o ‘interior’, seja consciência,
seja Dasein, ser
no mundo. E
também ajudar os neurologistas a melhorarem as suas questões científicas.
1. Num encontro em
que a intencionalidade é um dos motivos centrais, haverá quem saiba falar dela muito melhor do
que eu, discípulo do João Paisana[1]
no que a Husserl diz respeito. Creio que se pode situar o que este pensador –
filósofo e matemático – nos trouxe como um passo decisivo na ultrapassagem da oposição
‘sujeito / objecto, mundo’, tal como ela domina o pensamento europeu a partir de Descartes: a intencionalidade
ultrapassa a exterioridade recíproca da consciência e da coisa conhecida, duas
‘coisas’ substanciais (res cogitans e res extensa). Só há consciência por ser consciência de qualquer coisa: “o aparecer [Erscheinen] do próprio objecto, [...] a vivência intencional em
que o objecto aparece” (p. 42, subl. J.P.), é o fenómeno, imanente à consciência, não o
objecto que aparece, que transcende o que é dado à consciência. “A vivência não tem qualquer
essência para além daquela que lhe é conferida pela sua relação intencional”,
continua Paisana que estou citando da sua tese (p. 46), o seu sentido,
“permanecendo identicamente o mesmo, não é um momento real empírico da vivência, mas um momento
meramente ideal”
(p. 47 subl. J.P.), sendo no entanto sentido do objecto: a intencionalidade é a intenção significativa visando tal objecto que a intuição sensível deste vem preencher, a
intencionalidade é a estrutura a priori que os tem ambos em correlação indissociável (é esta
indissociabilidade que permite a futura redução e a torna fecunda, cf. infra § 7). As tentativas psicologizantes
anteriores de Husserl sobre os números esbarraram com o impasse da empiricidade,
saber que a matemática e a lógica faziam parte essencial das suas preocupações
filosóficas ajuda a perceber a colocação desta intencionalidade no coração da
sua fenomenologia; mostra algures Derrida a aliança desta com o platonismo,
que, acrescente-se, também era a filosofia dum geómetra: a matemática rigorosa
não depende das circunstâncias aleatórias das suas aprendizagens (como supõe o
célebre diálogo de Sócrates com o escravo no Ménon).
2. Colocar a
intencionalidade (de tal coisa) como definição da consciência é aquilo que é assim conseguido,
mas ao se tratar de uma estrutura a priori, põe-se a questão da compreensão da sua génese, da sua formação, o que nos
induz a perguntar pelos limites dessa colocação, vistos à luz dos seus
sucessores dissidentes. São os limites da filosofia europeia clássica, que
Heidegger virá a caracterizar como ontoteologia: o par sujeito / objecto será um
substituto do par Criador / criatura na matriz platónico-cristã. Primado do
‘presente’ da percepção sensível sobre o tempo (passado e futuro), do ente
sobre o ser (o ser visto como ‘ser do ente’), e já a ruptura de 1927 se anuncia
fulgurante no título que privilegia ser e tempo. Mas também carácter secundário
da linguagem face à percepção (ante-predicativa), secundários igualmente o
corpo e o mundo, o social e as mãos que trabalham, a diferença sexual: é nestes
limites que o ‘sujeito’ se revela herdeiro da ‘alma’ ontoteológica, com os
mesmos limites.
Apontar estes limites não pretende todavia diminuir Husserl: vários discursos
contemporâneos dele preocupavam-se com estas facetas que a filosofia
tradicional ignorava, basta falar nos maiores, Marx, Nietzsche e Freud;
trata-se pelo contrário de valorizar a sua descoberta da intencionalidade (que
esses três mestres da suspeita ignoraram, tanto quanto eu sei) como o motivo
que permitiu a reelaboração da filosofia como fenomenologia. E chamo já a atenção
para uma questão a que procurarei chegar: nenhum dos vários neurologistas que
me deram conhecimentos científicos preciosos sobre a estrutura neuronal dos
cérebros conseguiu chegar, ao colocarem as suas questões teóricas – nem
Changeux, nem Damásio, nem Kandel, os
que mais me interessaram –, a compreender a intencionalidade do cérebro
humano ou animal. Mais dum século
depois, a ciência neurológica padece de desconhecer Husserl. Como também
desconhece Heidegger.
3. No que diz respeito à
intencionalidade, como dizer a relação de herança que a ruptura de Ser e
Tempo mantém com Husserl, a quem
o texto é dedicado (e mal recebido, como se sabe)? A ruptura é exibida
explicitamente no § 10 que quer evitar usar o termo ‘sujeito’, como também
‘alma’, ‘consciência’, ‘espírito’, ‘pessoa’, ‘vida’, ‘homem’, tentativa de ter
em conta a corporalidade humana sem usar igualmente o termo ‘corpo’, tradicional
oposto (excluído) da ‘alma’ e do ‘sujeito’. A herança manifesta-se no termo escolhido para
dizer o ente humano, o tradicional Dasein que em alemão filosófico diz qualquer ente
existente e é agora restringido ao ek-sistente humano enquanto ‘ser no mundo’:
a intencionalidade, que em Husserl ligava indissoluvelmente a ‘interior’
consciência ao objecto ‘exterior’, é radicalizada como ‘exterioridade’ (tão
fora que nem sequer tem janelas, dirá cerca de 40 anos mais tarde) relacionada
ao Ser (então concebido como ente em totalidade), à questão do sentido do seu
ser, o que pressupõe o lugar da linguagem desde a colocação da problemática.
Heidegger herda, mas indo além.
4. Da maneira ligeira que convém à provecta idade em que
se vive sobretudo das memórias das numerosas viagens da vida, tentemos ver como
se situam os limites que assinalámos à consciência de qualquer coisa husserliana nesta tentativa
surpreendente de abordar o humano sem o dualismo que opõe, não apenas a alma ou
o sujeito ao corpo, mas também ao mundo. Digamos que ‘ser no mundo’ presta-se a
ser compreendido como dando atenção ao ‘corpo’ sem usar o termo, isto é, presta-se
a ter em consideração o que falta ao ‘sujeito’ ou à ‘consciência’ mas fugindo
aos limites ontoteológicos dum ‘ente’ isolado, definido como substância, ente
em si. Foi justamente a ‘definição’ filosófica que ele criticara à noção de
‘objecto’ de Husserl, que a percepção deste para um objecto ignorava o contexto
dele no mundo, era um objecto já determinado filosoficamente. Uma sala é
percebida previamente às suas mobílias para qualquer um que lá entre pela
primeira vez, excepto talvez o marceneiro ou o especialista de mobiliário
antigo que têm olhares definidores.
5. O ‘sujeito’ de Husserl é já um filósofo, o Dasein é um humano qualquer no seu contexto, a que acresce que se questiona sobre o sentido do seu
‘ser’, sobre o seu ‘ser’ no mundo, o sentido deste aberto, mormente como sua possibilidade,
motivo este que relaciona ‘ser’ e ‘tempo’, pode-se dizer, já que é o mundo que
dá tais possibilidades a tal humano e que elas são temporais, umas abrindo
outras, dadas a um humano pela sua situação no mundo: como se se tratasse dum
desvio da ‘intencionalidade’ que tivesse em conta o tempo do crescimento do
Dasein, como se
pode deduzir dum motivo afim, o de pressupostos na pré-compreensão, que é
compatível com a aprendizagem, mas não a pressupõe necessariamente. A tripla
estrutura existenciária de Ser e Tempo pode ser relacionada com motivos científicos actuais, se
se me permite, relevando-se evidentemente a recusa heideggeriana de
antropologizar as suas análises. O encontrar-se já efectiva e afectivamente na sua situação ôntica indicaria a
componente químico-hormonal do sistema neuronal, o mundo das pulsões e desejos;
a compreensão dessa
situação ôntica com os seus ‘pré’ supostos indicaria a componente já antes
aprendida, os usos e costumes do mundo; a interpretação discursiva dela, supondo a língua tribal
familiar, implicaria enfim a linguagem como envolvendo as outras duas
componentes, sem que nenhuma das três se desligue das outras duas ou pretenda
fundá-las. E dizem as três, indissociavelmente, que o Dasein é um ser no mundo da tribo em
que nasceu, afectado aos/pelos seus usos e costumes. O motivo de Mitsein é igualmente parte essencial deste
mundo social (que não as ‘almas’ nem as ‘consciências’ que conhecem objectos),
são todos seres com mãos que jogam sobre coisas do mundo, mãos que com elas
usam e trabalham. O motivo do cuidado engloba estas várias dimensões do ser no mundo como eminentemente temporal e
social: creio que o seu alcance filosófico em Ser e Tempo será retomado nos Ensaios e
conferências dos
anos 50 como a definição dos humanos: “ser homem quer dizer ser na terra como
mortal, isto é: habitar” (p. 173 da ed. fr. Gallimard, 1958), habitação sendo
não apenas residir, mas igualmente “cultivar e construir”, “actividades de
cuidado e de edificação”, “a habitação como o ser (Sein) do homem”, a pensar “como o traço
fundamental da condição humana” (p. 174). Mais englobante do que o desvelo
ético, o cuidado dos anos 20 corresponde ao habitar dos anos 50, o que o chamado I Heidegger desenhou como
herdeiro dissidente do Husserl da intencionalidade: este par de motivos reúne-nos
aqui com grande felicidade em torno destes dois parceiros que fecundaram a
Fenomenologia. Acrescentaria que o motivo de possibilidade[2] faz ponte da intencionalidade de um
para o cuidado habitante do mundo do outro, na medida em que ele pressupõe o
‘Da’ do Dasein
como ser no mundo e que é o mundo que dá as possibilidades de cuidar em cada época do seu percurso
singular de ser no mundo.
6. E no entanto, estes motivos
fenomenológicos como que deixaram o pensamento heideggeriano aberto a novos
desenvolvimentos no sentido do “retorno às próprias coisas”, já que, assim como
fizemos para Husserl, haverá que indagar dos limites do Dasein como ser no
mundo que possam
ser vislumbrados, a partir do motivo da doação retirada do Ser, do que o americano W. Richardson
chamou o II Heidegger, o motivo da doação do ser e do tempo a cada ente e do ‘retiro’ dessa
doação que deixa ser esse ente nessa sua temporalidade. Ou seja, o Heidegger de 1962 pode
implicar a reformulação do Dasein como ser no mundo de 1927? Digamos que nos vários
textos desses anos 60 recolhidos em Questions IV pouco se fala no Dasein e no ser no mundo, como se não
houvesse mais nada a acrescentar, a revisitar, como, por exemplo importante,
nunca se diz que ele, Dasein, é também doado por Ereignis que retirasse essa doação. Algo
terá impedido Heidegger de tirar essa conclusão da sua fabulosa conferência Tempo
e Ser? A hipótese a
pôr é que tenha sido o seu receio permanente de ‘antropologizar’ as suas descrições,
a sua recusa metodológica, se dizer se pode, de ter em conta as ciências
sociais e humanas que se desenvolviam, com maior ou menor felicidade, à sua
roda, recusa tanto mais compreensível quanto a sua ruptura com o Husserl da
lógica e da matemática o empurrava para as questões dessas ciências. Ter-lhe-á
faltado dar atenção ao nascimento do humano que Hannah Arendt veio a pensar, assim como à
sua aprendizagem progressiva da língua e doutros usos da sua tribo: ter-lhe-á
faltado compreender que a gravidez, o parto, o aleitamento, são uma doação em que a doadora se retira pouco a
pouco, que o que se aprende são os usos dessa tribo e que os que os ensinam,
deles fazem doação, também se retiram à medida da aprendizagem conseguida. Se
me parece que ele não podia ter compreendido estes processos, é por eles
implicarem a doação retirada ao nível dos ‘entes’ mundanos, enquanto que ele a descobrira
na diferença ontológica para esses entes. Consequências: o ser no mundo ‘toca’ no social mas não
entra nele, Ser e Tempo não parece saber o que fazer do Mitsein, para além da descrição pejorativa
da gente (man)
inautêntica, como não pergunta donde vem a língua ao discurso interpretativo do
Dasein, nem que
a alimentação quotidiana é o cuidado primeiro dum Dasein que, mais do que um ente vivo, é um
‘mortal’ que antecipa a sua morte e se angustia. Mas igualmente há que dizer
que esses limites foram parte da espantosa viragem que devemos a este pensador,
a da saída enfim da oposição ‘sujeito / objecto, mundo’ para o ser no mundo. Esta hipótese de interpretação
permite compreender como a ruptura que Derrida faz em relação a Heidegger[3]
tenha implicado um retorno a Husserl, à sua diferença fenomenológica entre o objecto
que aparece e o seu
aparecer fenomenal,
mas para a aplicar à principal descoberta da linguística do século XX; as suas
abordagens da psicanálise freudiana e da antropologia de Lévi-Strauss e outros
confirmam como a aliança da sua gramatologia com as ciências que Heidegger
desdenhou permitiram encontrar o motivo heideggeriano da diferença nesse ‘mundo’ descrito cientificamente,
ao nível pois dos ‘entes’, já não apenas da ‘diferença ontológica’.
7. Creio que se pode dizer que
Derrida retoma o motivo da doação mas aquém da diferença ‘Ser, Ereignis / entes’, já que a sua trace ou différance não se circunscreve necessariamente
aos motivos da ontologia clássica, a ‘entes’ dados à percepção humana, ao
privilégio da visão e das mãos, mas permite entender também o jogo orgânico das
células, por exemplo, ou das estruturas linguísticas e sociais. Com efeito, a
argumentação da Gramatologia trata de fenómenos de linguagem oral[4], aborda com recurso a
Husserl o aforismo saussuriano “na língua não há senão diferenças, sem
termos positivos”, a diferença que estabeleceu entre
os ‘sons’ (que não pertencem à língua) e os ‘significantes’ (conceito da
ciência linguística). O significante, escreve, “é o ouvido [l’entendu] :
não o som ouvido mas o ser-ouvido do som. O ser-ouvido é estruturalmente
fenomenal e pertence a uma ordem radicalmente heterogénea à do som real no
mundo. Não se pode recortar [découper]
esta heterogeneidade subtil mas absolutamente decisiva senão por uma redução
fenomenológica” (De la grammatologie, p. 93). Os ‘sons’
são o que se ouve, o que ‘aparece’ (ao ouvido, não ao olhar, como os entes
tradicionais), enquanto que os ‘significantes’ são as diferenças entre os sons,
o ser-ouvido deles, o seu ‘aparecer’. Se se disser que os sons são ‘substanciais’ (ondulações do ar), as suas
diferenças não o são, não são sonoras, tal como a diferença entre duas cores
num quadro não é uma cor, não é visível[5].
Mas não se pode separar os sons das suas diferenças, a différance
nem é sensível nem inteligível, ‘ela’ resiste a esta dualidade metafísica; não
se pode separar n‘ela’ o que releva duma dimensão
económica (os significantes duma língua, no exemplo) e o que releva do seu
excesso singular (os sons empíricos duma voz concreta e os sentidos que ela
diz). Ou seja, na doação pela différance
duma fala qualquer a um auditor a língua (economia social) é indissociável da voz individual do falante (ao telefone, o sotaque não é separável da
voz de um alentejano meu conhecido que me diz ‘sou eu’). Como caracterizá-la?
Por um terceto de dimensões indissociáveis entre si: “[...] movimento da différance, abrindo simultaneamente, numa única e mesma
possibilidade, a temporização, a relação ao outro e a linguagem” (idem,
p. 88, cf p. 69). Trata-se de um ‘movimento’ – o
tempo (do diferir) na diferença, que assinala o a da différance
– donde a) a espacialização e temporalização do discurso que essa voz diz; b) a
relação estrutural ao outro (digamos que o Mitsein é condição do Dasein, a aprendizagem é prévia ao devir sujeito, oh Husserl!),
donde que o diferendo faça parte da diferença; c) a fala (la parole) originada por uma força, um trabalho que inscreve: isto é, a voz e o discurso,
coisa por excelência do ente humano singular, releva duma escritura social[6].
Mas poder-se-iam dar exemplos da biologia (a différance dum embrião até ao adulto) ou da antropologia (o fabrico
duma mesa pela arte e ferramentas dum marceneiro habilidoso).
8. Ora bem, esta différance é diferença que se repete, como os exemplos mostram, escrita que estrutura,
institui, está na origem de singulares autónomos vindos de outros singulares,
donde que seja a repetição que é originária, isto é não há ‘origens’ (oh Heidegger!), onde se
as buscam encontram-se sempre já repetições. Derrida radicalizou a desconstrução
da ontoteologia que Heidegger encetou: aonde o lugar do deus criador foi, de
Descartes a Husserl, ocupado pelo humano (pensador), Ser e Tempo trouxe-o para o mundo mas ainda à maneira dum
‘autor de si’, se dizer se pode, dum pensador que pensa. Derrida permitiu pôr
os antepassados – progenitores e tantos mestres de tanto que se aprendeu, os
quais tiveram também muitos mestres, e assim sucessivamente para trás – como doadores
fenomenológicos, doação agora ao
nível do jogo dos entes e não já do Ser / Acontecimento, a diferença ontológica perdendo o seu papel
ontoteológico na oposição transcendência / imanência. Exit a ontologia, eis enfim o ser no mundo, com a aprendizagem a vir
ao lugar filosófico e científico (nas humanidades) de origem do futuro que repete o passado ancestral. Disse ele em entrevista ao JL, da primeira vez que veio a Lisboa em 1983, que a
repetição lhe dava segurança face ao futuro (cito de cor). Em época de crises e
de temor quanto ao que virá, saber que só repetindo haverá futuro é algo que
permite alguma esperança.
9. Venhamos então ao enigma da aprendizagem: como
é que alguém que não sabe (guiar um carro, falar) recebe passivamente um saber
que o torna activo? Derrida trata a questão numa leitura de Freud: “uma das
propriedades principais do tecido nervoso é a memória [...] isto é, a aptidão a
ser alterado duma maneira durável por acontecimentos que não se produziram
senão uma vez [...] ter-se-á que dar conta ao mesmo tempo [...] da permanência
do rasto (trace) e da
virgindade da substância de acolhimento, do gravar dos sulcos e da nudez sempre
intacta da superfície receptiva ou perceptiva: aqui dos neurónios. [...] Os
neurónios devem portanto ser impressionados mas também inalterados” [7].
Há memória porque há dor à qual se resiste – os bebés choram muito, expulsos
que foram do paraíso materno –, à qual se resistirá se ela voltar, justamente
para evitar que ela volte. A este ‘gravar dos sulcos’ freudiano respondeu
oitenta anos mais tarde J.-P. Changeux (O homem neuronal) com o motivo de grafo, sequência de sinapses neuronais que diz a
permanência da memória que se oferece virgem, passiva, a novas investidas mais
facilmente do que estar a abrir novos caminhos (como num bosque seguimos as
sendas já abertas por outros pés); mas essa permanência ‘reage’ ao que nela
‘age’, activa-se na repetição da recusa do que antes lhe doera ao ser gravado.
O motivo do grafo neuronal (que Changeux não ligou sistematicamente, como faço
aqui, à aprendizagem) presta-se a ser compreendido como um
passivado-que-se-activa: seguindo E. Kandel[8]
que experimentou sobre lesmas marítimas, uma impressão forte recebida cria uma
nova sinapse em tal ou tais neurónios (é ao que se aprende duradouramente que
chamamos memória)[9]; donde que
cada neurónio tendo alguns milhares de relações sinápticas a outros vizinhos, a
especificidade da rede neuronal seja a de eles se afectarem uns aos outros
através de grafos, dos quais provavelmente nos humanos a esmagadora maioria
releva de aprendizagens. Os grafos que relevam destas vêm desde sinapses
ligadas aos órgãos perceptivos (olhos, ouvidos, pele...) e terminam em ligação
com músculos de actividade (mãos, pés, voz...): do passivo recebido ao activo
agido nos grafos da memória neuronal nas áreas comuns que desencadeiam
actividade pelos nervos do muscular[10];
afectados, os neurónios afectam, o seu ‘saber’ é um passivar-que-torna-activo,
‘con-sciência’, saber (-scire)
de si com outrem (con-), capaz
de agir em consequência, porque aprendeu de outrem no mundo (que se retirou),
capaz de produzir novas sinapses, de abrir novos grafos que novos fluxos
nervosos podem percorrer. Creio que se pode dizer que a indissociabilidade
entre passivo e activo corresponde ao círculo hermenêutico heideggeriano na abordagem dos textos,
acrescentando eu todavia que ele será constitutivo da aprendizagem em geral,
aprender a correr, a nadar ou a andar de bicicleta, comportamentos instáveis em
que se pode sempre cair, a tocar piano ou a desenhar e pode não resultar bem,
fazer um cozinhado que fique cru ou se queime, sem sabor. Mas vai além da
aprendizagem, basta o exemplo daquilo que estou a fazer aqui neste momento, a
passividade que é ler um texto já escrito e a clara actividade de o fazer em
voz alta (que ler mentalmente também é passivo e activo em simultâneo); se
tomarmos os exemplos de dizer de cor um poema ou uma oração, cantar uma cantiga
– de cor a letra e a música –, eles mostram como a memória, permanência e
virgindade, dizia Freud, é uma passividade que se activa sempre que chamada a
vir como ‘souvenir, falando francês.
10. Ora bem, quanto mais complexa for a rede
sináptica, mais diversa a singularidade daqueles que aprendem os mesmos usos, a
mesma língua, uns revelando-se mais hábeis em certos pontos do que noutros
privilegiados por terceiros: esta diversidade que releva de aprendizagens
equivalentes sublinha que todos os processos destas différances
são o contrário de automatismos, são singulares, criadores de estilos
idiossincráticos desde pequeninos, sem que haja maneira de se saber porquê.
Eles são enigmáticos: quanto
maior a complexidade tanto maior a liberdade, que o último texto de Damásio, O
livro da consciência, designando
como mente a internalidade dos
neurónios, o saber de si e do seu mundo a que só o próprio tem acesso, permite
chamar liberdade mental, fora
do dualismo metafísico, já que a ‘mente’ não consiste senão em neurónios.
11. Para quê introduzir a ciência neurológica em
debates que se querem fenomenológicos? Deixem-me responder com malícia: o
motivo dos grafos como retendo a memória das coisas aprendidas permite
exemplificar a intencionalidade husserliana, será deles que vem ‘a intenção
significativa visando tal objecto que
a intuição sensível deste vem preencher’, ‘a estrutura a priori que os tem ambos em correlação indissociável’[11].
A leitura de há pouco é um óptimo exemplo de intencionalidade, só se pode
fazer por se ter aprendido a ler (imagino que este tipo de exemplos nunca
passou pela cabeça de Husserl)[12].
Mas também a aprendizagem dos usos da habitação dos humanos na terra é a criação
do estilo singular de cuidado que em Ser
e Tempo dizia a maneira do ser no mundo, mas indo além, já que essa aprendizagem é doada pelo
mundo como regras de todos (heteronomia) – os doadores, parentes próximos e
mestres, retiram-se – que fazem do Dasein
um ser no mundo autónomo em seu
estilo pessoal com heteronomia apagada, retirada, dissimulada. As ciências ganham assim um lugar na fenomenologia que
se pode elaborar a partir de Husserl, Heidegger e Derrida.
11. Mas elas também ganham com isso,
se me aceitarem o testemunho de que tudo o que aprendi de neurologia foi com
autores que, nunca, por nunca ser, se deram conta de que o cérebro que
estudam é um órgão simultaneamente biológico e social, nunca mostram ter a mínima ideia
de que as funções cerebrais implicam estruturalmente a aprendizagem[13].
O que me parece mostrar o poder fabuloso da filosofia tradicional que recebemos
no liceu em todas as aulas, do privilégio imenso da ‘interioridade’ que Heidegger
desafiou ao conceber o Dasein, e também de como o ser no mundo continua a ser um motivo aberto,
diante do enigma maior que é, com a culinária, a mais estonteante negação da
oposição metafísica entre natureza e cultura: a espontaneidade
extraordinária dos hábitos habilidosos que antes se não souberam, que reenviam para a ‘habitação’, a
espontaneidade testemunhando como a bioquímica agarrou, ‘prendeu’ aquele que
aprendeu. ‘Seres no mundo’: a
neurologia dá assim um relevo maior à grande revolução filosófica de Heidegger,
que vai além do que ele próprio pensou: o que vem do exterior estrutura o
nosso interior. Também a
linguagem, que por isso ficou estrangeira à filosofia na maior parte do seu
percurso, resiste ao dualismo, como mostra o seguinte
exemplo que me deixa boquiaberto. Se repararem nas frases que vocês dizem,
escrevem ou pensam espontaneamente e nas variadas regras morfológicas da conjugação
dos verbos – tempos, modos, e por aí fora –, nas preposições e conjunções
sintácticas, se repararem em seguida que ao falarem não têm nunca, não podem
ter, consciência dessas regras que usam espontaneamente para construir cada
frase[14],
repararão enfim que nunca aprenderam essas regras para saberem falar, quando as
estudaram no liceu já as usavam espontaneamente e sem darem por isso. Para
quem, como sucede certamente com todos nós aqui, dá grande importância ao seu
próprio pensamento, não é coisa de somenos.
Publicado in I. B. Duarte, B. Sylla e M. Casanova
(orgs.), Fenomenologia Hoje. Intencionalidade e cuidado, Rio de Janeiro, Via Verita, pp. 141-157
[O Dasein não aprende
12. Há bastante tempo já que desconfiava que o Dasein de Heidegger, não apenas em Ser e Tempo mas ainda nos anos 60, depois de Tempo e Ser, mantinha uma ligação ao ‘sujeito’ de que se
queria cortado, como atesta o muito importante motivo de ser no mundo. O que me faltava era perceber o que é que lhe
falhou, porquê não deu o passo e que passo era que obviamente não quis dar (não
se trata de pensar que ele se enganou). Ora, a leitura recente, pela 3ª ou 4ª
vez, de A essência da Verdade,
revelou-me duas coisas que concorrem para compreender a questão. Uma delas é
que a verdade é sempre questionada em termos de ‘essência’ e esta, essência do
ente em totalidade, é a questão da metafísica e, consequência lógica, o tempo não vem nunca à questão, apesar de ser onde se
enceta a viragem entre os dois textos que ligam o tempo ao ser, o de 1927 e o de 1962. Trata-se de metafísica em
sentido tradicional, o que não parece incomodar o pensador (senão fazia uma
nota ou um parêntese a alertar para o que ali não estava a poder tratar). A
outra é a maneira como a liberdade é aduzida como essência da verdade, através
da aperidade para o ente que se trata de ‘deixar ser’, e também aqui não
aparece nenhum dos motivos temporais de Ser e Tempo, angústia e ser para a morte, cuidado quotidiano,
distinção entre o que está à mão e o que apenas está ao seu alcance; ou seja, o
Dasein aparece posto diante do
ente como um sujeito diante dum objecto: tal como o sujeito, o Dasein não aprende. Embora haja
outros textos entretanto, dez anos mais tarde o magnífico texto sobre a phusis segundo Aristóteles trata da Physica deste, do 1º capítulo do 2º livro, aonde os seus
grandes motivos foram demonstrados, argumentados, a ousia sendo o que explica o ente enquanto dotado de
movimento, o que permitirá depois (justeza do ‘meta’) a metafísica do ente
enquanto ente. E é onde o tempo é dito o número do movimento segundo o antes e
o depois, como é sabido. Vinte anos depois, a viragem consuma-se: o ser e o
tempo são dados aos entes (nascidos ou fabricados: de certo, mas isso não é
nunca dito) pelo Ereignis que
dissimula a doação. O que me parece significar o quê? Que até aí, desde 1927, sempre
o Ser dominou o Tempo, a viragem
iniciou-se com A essência da Verdade que ‘abre’ a relação do Dasein ao ente para a relação ao Ser (ente em totalidade, inversão do motivo da
definição, do definido ao contexto, se dizer se pode), este dissimulado, obnibulado.
É o motivo essencial do retiro do Ser que aparece pela primeira vez, e que no texto sobre a phusis é acrescentado a Aristóteles pela citação do
aforismo123 de Heraclito que ele tornou célebre, sendo onde se vê a Physica sobrepor-se à Metaphysica. Claro que este § 12 à cavaleiro não tem nenhuma
pretensão exegética, não conheço suficientemente os textos para isso. Mas o que
me parece é que no texto heideggeriano não se deu nunca o passo do ser no
mundo para o ser que aprende
do mundo e é pois instituído por
ele: a aprendizagem é o tempo dos humanos e sobremaneira o tempo em que o
‘sujeito’ muda, se transforma, não é sempre o mesmo.
13. A descoberta deste texto sobre a essência da
verdade é a da relação dela com a liberdade do Dasein e a retracção da doação do ente que torne
possível tal liberdade, o futuro retiro do Ser, e ainda, de passagem, um recuo da liberdade em
relação ao ente a que o Dasein está aberto no seu comportamento em relação a ele: recuo e liberdade que deixam
o ente ser o ente que ele é, de
velado a desvelado (alêtheia),
comportamento com desvelo, dir-se-á em português. Comportamentos esses que se
repetem em relação a tal tipo de entes em usos quotidianos mormente, domésticos
ou profissionais, mas também em relação a outros humanos da tribo, as quais
relações também pedem abertura que os deixe ser, desvelo em sentido mais
apropriado até. O motivo de repetição aproxima este comportamento do motivo da possibilidade do ser no mundo (Ser e Tempo), a qual tanto é do Dasein como do mundo, como aqui se vê melhor, já que o retiro tanto se joga na
doação (pelo mundo, o ente em totalidade da tribo) como no Dasein. E é onde a questão da aprendizagem me parece
indispensável em sua temporalidade, necessária menos ao ente, se se trata dum
utensílio à mão, do que ao que aprende a utilizá-lo por ensaios e tentativas
orientadas por quem já saiba, e que também se retirará quando a habilidade do
comportamento esteja adquirida como espontaneidade do Dasein. Aprender a conduzir um automóvel, por exemplo,
leva algumas semanas em geral, tempo para o aprendiz saber tornar-se, em seus
gestos em situações aleatórias, na peça piloto do carro, que este faça parte
doravante das suas possibilidades. Isto é, o Dasein alterou-se nas suas possibilidades e não apenas
nas semanas em que aprendeu, já que toda a sua prática futura de condução
melhorar-lhe-á essa habilidade, a sua possibilidade. O mesmo exemplo se pode
aduzir, com muito mais tempo, para a aprendizagem da fala e as transformações
que virão ao Dasein com os
estudos que fará, as especializações, a cultura humana, espiritual e artística,
e por aí fora. Nestes dois exemplos, é essencial o deixar ser o ente, o carro na estrada, a língua da tribo e aqueles
com quem se fala, que se ouve. E esse deixar ser implica a inscrição no Dasein da lei da verdade, quer a da condução automóvel,
quer a da linguagem e da relação com os outros: é essa lei que implica que se aprenda de mestres,
de quem já sabe, que se trate de doação com retiro de quem a faz, que sabe muito mais do que o que aprende mas tem
que o deixar ser, deixar aprender à medida da sua ignorância. ]
[1] Fenomenologia e Hermenêutica,
A Relação entre as Filosofias de Husserl e Heidegger, Presença, 1992
[2] Muito
perto de ‘poder ser’ (Seinkonnen): Ser
e Tempo aborda a questão da
‘consciência’ como “[...] a atestação
dum poder-ser-Si-mesmo que, quanto à possibilidade, ele [o Dasein]
é já de cada vez” (§54, subl. do
texto, da versão francesa de Martineau). Mas é possível que esta minha ‘possibilidade’
force o pensador além do que ele pensou, no sentido todavia do que ele abriu.
[3] Pierre Aubenque (Faut-il
déconstruire la métaphysique ?, PUF, 2009, p. 60) conta que teve uma conversa com
Heidegger no final de 1967 em que este se mostrou muito interessado na différance e tentaram em vão encontrar um
equivalente em alemão (citado por B. Peeters, Derrida, Flammarion, 2010, p. 232).
Cinco anos mais tarde, o crítico literário suiço John E. Jackson fez uma recensão
de Marges. De la Philosophie no Journal de Genève de 2/12/1972
intitulada “Jacques Derrida. Un auteur ardu, mais le seul philosophe
contemporain qu’admire Heidegger”.
[4] Embora
o autor diga que podia ser outra, só que esta presta-se melhor
estrategicamente.
[5] Também o Ser heideggeriano é
‘nada’, mas aqui é ao nível ôntico que estas diferenças são ‘nada’ de ente.
[6] O que esclarece um ponto que
chocou muito na época, que Derrida tenha colocado a escrita antes da
oralidade : esta só acontece em consequência da impressão dos neurónios,
duma ‘escrita’ prévia.
[7] “Freud et la scène de
l’écriture”, in Derrida, L’écriture et la différence, Seuil, p. 298. Aqui lê o Esboço
de psicologia clínica (1895) e continua pela obra freudiana até a um pequeno texto de 1925 em
que compara o psiquismo a um aparelho em que se escreve e se conserva esse
escrito mas apagando-o para poder receber uma nova inscrição, a tal ‘virgindade’.
[8] À la recherche de la mémoire. Une nouvelle théorie de
l'esprit, Odile
Jacob, do prémio Nobel de medicina de 2000 Eric Kandel (In Search of Memory, 2006, Norton).
[9] Ele procedeu em torno da
aquisição dum reflexo condicionado pelo bicharoco, à maneira de Pavlov: um dado
‘acontecimento externo – um toque forte na sua cauda e depois apenas um som
previamente condicionado que o anuncia – sempre que se repita desencadeia uma
retracção da brânquia da lesma e eventualmente a emissão de tinta. A meu ver a
grande novidade do seu livro: o mecanismo desta aprendizagem que perdura
longamente implica a síntese duma proteína comandada por genes, cuja expressão
é previamente desencadeada por uma molécula que parte da sinapse que foi
afectada por um ‘acontecimento externo’ (o toque forte na cauda da lesma), a proteína
sintetizada tendo como consequência dar origem a uma nova sinapse (ou mais) na
mesma ligação entre dois neurónios (uma sinapse só tem uma de duas hipóteses, 1
ou 0: afectar ligando os dois neurónios, ou desligar, interrompendo a
circulação eléctrica). Solução extremamente elegante da velha questão entre o
inato e o adquirido: os genes dos neurónios jogam na aprendizagem do que vem de
fora, sem que os genes ‘saibam’ do que se trata, sem saberem aquilo que é ‘aprendido’ (pode ser uma
língua qualquer do planeta!), já que eles não fazem mais aqui do que o que
fazem em qualquer outra célula do organismo, sintetizar proteínas através dum
ARNm; sucede aliás que algumas das moléculas que jogam aqui têm, diz Kandel, um
papel equivalente em células não neuronais: os genes não determinam o
aprendido!
[10] Mas se a passividade é dominante
na parte do circuito que vem dos órgãos periféricos do ser no mundo e a
actividade no que concerne o circuito de saída, incluindo o da voz, há que
manter a indissociabilidade passivo/activo dos grafos, ‘passividade’ que se
repete a cada fluxo que os percorre, torna mais durável a memória, ou seja a
capacidade de ‘actividade’. Cada sinapse será sempre um efeito do mundo no
neuronal e é esse ser-efeito que a torna capaz de agir.
[11] A intencionalidade não se testa
na ‘percepção’ (Derrida chegou a dizer num debate após uma conferência que o
que se chama ‘percepção’ não existe), mas justamente nos comportamentos
aprendidos.
[12] Mas há que proceder com cuidado
nesta relação da fenomenologia com a neurologia. Tendo em conta, por exemplo, a
maneira como Heidegger se mostra fiel ao seu mestre Husserl quando diz numa
conferência em Darmstadt : “se nós todos neste momento pensarmos daqui na
velha ponte de Heidelberg, o movimento do nosso pensamento até esse lugar não
é uma experiência que seria simplesmente interior às pessoas aqui presentes.
Pelo contrário, quando nós pensamos na ponte em questão, pertence ao ser desse
pensamento que nele mesmo ele se mantenha em todo o afastamento que nos separa
desse lugar. Daqui nós estamos perto da ponte lá em baixo, e não por exemplo,
perto do conteúdo duma representação alojada na nossa consciência” (Essais
et conférences, Gallimard, 1958, pp. 186-187).
[13] A terminologia
de ‘representações’ e ‘informações’ em Kandel será índice do dualismo dentro /
fora, privilegiando o primeiro, no paradigma teórico
[14] Elas
só desaparecem na afasia devida à ablação da esfera de Broca dos neurólogos.
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