terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A entropia de Prigogine

A entropia de Prigogine

71. Estes fenómenos de oscilações obrigam a fenomenologia a ter em conta a respectiva dimensão energética, a que nem as filosofias[1] nem as ciências dos fenómenos sociais e humanos estão muito habituadas. E é aonde a reelaboração do conceito termodinâmico de entropia por Prigogine se torna preciosa. Trata-se para este químico (Prémio Nobel em 1977) de compreender a possibilidade física da estabilidade de instâncias instáveis que ele chamou « estruturas dissipativas », o metabolismo celular sendo o domínio das suas investigações. Nestes fenómenos bioquímicos que recebem a sua energia do exterior, predominam reacções químicas não-lineares de auto-catálise, auto-inibição e catálise cruzada num conjunto de « milhares de reacções químicas simultâneas, que transformam a matéria de que a célula se alimenta, sintetizam os seus constituintes e rejeitam para o exterior os produtos não utilizáveis ». Estes fenómenos não podem ser estudados apenas ao nível molecular da química estabelecida, há que considerar também a organização super-molecular e ainda as flutuações que, em vez de regressarem ao estado de equilíbrio (de acordo com o 2º princípio da termodinâmica), amplificam-se e invadem todo o sistema, o qual evolui para um estádio instável, longe do equilíbrio, em que essas flutuações no entanto ficam estruturadas de maneira dissipativa. Em contradição com o princípio de ordem da termodinâmica estatística de Bolt­­z­mann, a dissipação entrópica produz uma nova ordem, que mão é inteligível senão ao nível macroscópico das células e permanece independente dos fenómenos moleculares microscópicos. Trata-se portanto duma produção de entropia[2] que cria uma ordem instável, de estabilidade longe do equilíbrio, longe da entropia nula da estabilidade tradicional em física.
72. Se se generaliza para a dimensão energética (entrópica) da cena de circulação de ‘agentes autónomos’, pode-se pensar que sempre que, historicamente, esta cena se encontrou em estado de uma pletora caótica, de turbilhões, sem saída ao seu nível, tê-la-á encontrado (Acontecimento, Ereignis) através da constituição duma nova cena (e portanto dum novo rodeio nos seus mecanismos entrópico-formais de autonomia com heteronomia apagada) ; esta nova (sub) cena é instável em relação àquela donde ela de desdobra, mas dotada duma nova lei e de novas regras, que lhe asseguram uma circulação estável. Assim o metabolismo celular é dum outro nível do que o das moléculas inorgânicas dos campos de gravidade, e as diversas aquisições estruturais mais importantes da evolução dos seres vivos – de que a sexualidade, a homeostasia do sangue e as redes sinápticas dos neurónios estão entre os exemplos mais extraordinários – poderão ser eventualmente estudadas como novas (sub) cenas na cena geral da selva. Elas prolongaram-se coma aquisição da utilização da mão e da boca para os usos técnicos e da fala nos humanos (Leroi-Gourhan), e de seguida para os diversos níveis sociais (agricultura, cidade, mercado, organização política monárquica ou democracia na Grécia, escola, igreja, etc., e assim de seguida até à revolução industrial, que poderão ser estudadas como produções de novas entropias. Ou sublimações, em linguagem freudiana. O motivo do suplemento (Derrida) permitirá pensar, com a contribuição prigoginiana, a maneira como estas (sub) cenas se desdobram umas a partir das outras.


[1] Derrida, com o seu motivo das différe/ances de forças, parece estar entre as excepções.
[2] Em geral, a entropia será a energia retida de forma estrita por forças atractivas.

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