terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Isto é apenas um manifesto

Isto é apenas um manifesto

117. Não se tratava pois aqui senão do anúncio (e da iniciação, talvez necessária) do texto de referência – O JOGO DAS CIÊNCIAS COM HEIDEGGER E DERRIDA. Foi uma aventura de escrita, quase como um romancista que não sabe como é que a história se desenvolverá, aonde o conduzirá, que novos caminhos se abrirão. Espero que haja leitores para as entender à medida em que for lendo, a paixão de compreender e a surpresa. Sem dúvida que pedirá tempo, mas será para o poupar depois, já que a aposta deste texto é que, ao compor as questões fenomenológicas dos diversos domínios entre elas, ele dê acesso a um novo patamar da razão, um patamar mais elevado das questões do conhecimento, entre ciências e filosofia. Quando se lêem ensaios, ou mesmo teses académicas, é fácil dar-se conta que uma boa parte do texto serve apenas para criar um contexto àquilo que está em questão[1], sem ter muitas vezes senão critérios empíricos. Novo patamar da razão significa a aposta de que esta com-posição entre diversos domínios possa trazer uma grade economia dessas introduções sem fim e tornar assim as inteligências mais livres para avançarem mais longe na aventura da escrita. Que a fenomenologia que Husserl, Heidegger e Derrida abriram é, pelo menos ao nível das ciências do século 20, eis a minha presunção. Aqui tratava-se apenas dum manifesto.
118. Retomemos a abertura. O que é aberrante no panorama pulverizado das ciências actuais é que os conceitos mais gerais das diversas ciências não tenham comunicação entre eles, como se não tivessem saído dum pensamento filosófico que fosse relativamente coerente, como se as ciências tivessem sido geradas ao acaso. Encontrar uma coerência adequada, forçosamente nova, não poderia fazer-se do exterior, nem da filosofia nem das ciências respeitantes aos principais domínios da chamada realidade. Ela não poderia vir senão da convergência das suas principais descobertas durante o século 20.
119. Um manifesto anuncia a abertura dum futuro, rompe também em parte com o seu passado. Todavia, mais do que ruptura, trata-se aqui dum acabamento : o do percurso filosófico que vai de Sócrates, Platão e Aristóteles, até à fenomenologia husserliana e aos seus dois grandes dissidentes, Hei­degger e Derrida, tendo em conta também a dimensão filosófica das principais ciências paridas durante esse percurso. este acabamento abre um futuro, além da separação, introduzida por Kant, entre a filosofia e as ciências, um futuro interdisciplinar : que é chamado Filosofia-com-Ciências, finalização do projecto da fenomenologia de Husserl. Por outras vias do que as que ele visava, sem papeis privilegiados : uma nova fenomenologia, em suma, verdadeira, ainda por cima. Para além do fracasso de Husserl, trata-se de manifestar como, por vias subterrâneas, se dizer se pode, as duas obras principais dessa corrente, as de Heidegger e de Derrida, tornam possível hoje[2] unificar e articular os campos das principais ciências respeitantes à vida, às sociedades, à linguagem, ao psiquismo e, duma certa maneira, à energia e à matéria. Se sucede, como presumo, que os paradigmas de Thomas Kuhn representam o melhor que a corrente da filosofia analítica produziu no que se chama filosofia das ciências, encontrar-se-á no texto de referência ao mesmo tempo o acabamento do trabalho dos maiores pensadores do século que acabou e a abertura, fecunda e rigorosa, da interdisciplinaridade que se busca há já algumas décadas. Em termos de Kuhn, dir-se-ia que se trata da ‘solução’ (parcial, é claro, lacunar, incoativa, a continuar e corrigir indefinidamente) do imenso puzzle do saber filosófico-científico do Ocidente. Além das sugestões que especialistas poderão encontrar eventualmente a respeito da dimensão filosófica de sua ciência e portanto dos obstáculos epistemológicos escondidos nos seus paradigmas, espera-se que qualquer leitor possa encontrar também uma espécie de mapa dum panorama geral, duma paisagem composta desses saberes, uma espécie de mapa de navegação.

Colares, Janeiro de 2006

[1] Com vantagens sem dúvida para o que escreve, que aprendeu muita coisa.
[2] Qu’il s’agit bien de leur apport, une sorte de preuve serait le fait que cette possibilité était, depuis deux décennies au moins, à la portée de quelqu’un de compétence moyenne.

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