terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Poluição e monetarismo

Poluição e monetarismo

109. Não quereria terminar estas indicações sobre as reduções sem indicar duas que nos fazem sofrer hoje e que ameaçam piorar. As diversas poluições são o efeito indirecto da redução dos laboratórios dos engenheiros : máquinas ou substâncias químicas são experimentadas de forma fragmentária e reduzindo todos os fenómenos das cenas fora dos muros do laboratório, isto é, os ambientes que podem sofrer efeitos indesejáveis[1]. A esta ameaça, a única resposta técnica possível, quando for possível, é a de trazer, por sua vez, estes fenómenos de poluição ao laboratório, para tentar remediar. Mas a redução é a condição de qualquer invenção técnica e simultaneamente de todos os seus efeitos prejudiciais eventuais, de que a alteração dos climas é a mais temível, devido ao seu carácter catastrófico global e às suas incidências nas grandes economias, e portanto às suas resistências.
110. Também a redução económica está ligada, como a das experimentações físicas e químicas, à sua utilização privilegiada da matemática, de números que, em rigor, consistem em contar unidades de mercadorias em termos de unidades monetárias e de taxas abstractas (os seus custos, preços de venda e lucros). Porque não há em economia dimensões mensuráveis como em física e química, que tornam possível que haja nestas ciências técnicas adequadas ; está excluído portanto o carácter fragmentário preciso das suas operações laboratoriais. Sendo com efeito de tipo estatístico, a economia não ‘mede’, apenas conta, ao nível laboratorial não faz álgebra, apenas aritmética. Que a fragmentaridade experimental não seja precisa nos seus critérios de levantamento dos seus fenómenos, significa a ausência de fronteiras laboratoriais nítidas : não há critérios intrínsecos que delimitem os campos das estatísticas, entre o micro e o macro, nem entre as diversas (sub) cenas sociais, esses campos sendo indefinidos, entregues a um certo arbitrário (da teoria ou do economista). Por exemplo antigo de A. Gorz, os custos em acidentes (reparações mecânicas, hospitais, remédios, seguros), contam tanto como a produção agrícola ou dos automóveis, para o PIB duma nação, que portanto aumentará com a sinistralidade nas estradas e diminuirá se forem tomadas medidas eficazes para a diminuir.
111. Ora, o que é que é reduzido pelas contas do economista ? As coisas compradas e vendidas, a sua qualidade e fiabilidade, os que recebem salários em troca do seu trabalho, a sua justiça social – se eles são ‘muito’ altos, aproveita-se para deslocalizar e obterem-se melhores números - ; em resumo, é o que faz a qualidade da habitação duma dada sociedade que é reduzido como condição de poder fazer o balanço económico dela, para que ela seja governável (sem balanços, seria o caos). A redução não é um defeito, é um limite, é certo, mas que é condição de cientificidade. É um pouco como a nossa afirmação de que a matemática só tem uma articulação : é o que lhe permite ser exacta, sem polissemia (§§ 61-62). O problema é o de saber qual é o lugar da economia entre as ciências das estruturas sociais. Há várias sub-cenas, respeitando os diversos tipos de estrutura que formam sectores bem diferenciados, os transportes, a alimentação e a saúde, a construção, etc. Mas três entre elas respeitam a estruturas que atravessam todos os outros sectores. A linguagem (escola e médias), a instância de regulação política (o Estado) e o mercado. A economia só diz respeito a uma sub-cena social, a do mercado : ela não é senão uma ciência social entre outras (a linguística, as ciências do direito, a demografia, etc.), que, de jure, deve ser compreendida por aquela que deve ser a ciência global da sociedade, a sociologia. Ora, esta falta-nos justamente como ciência global, que deveria ser capaz de propor fins às outras ciências sociais, e a economia aproveita da sua transversalidade e do seu double bind específico, o da moeda, para tomar o lugar vazio da ciência da sociedade, para o suprir. O neo-liberalismo monetarista, forma dominante da teoria económica desde há duas ou três décadas, está assente sobre a redução que é própria ao retiro da moeda. É portanto o discurso da moeda que ocupa o lugar de direcção do conjunto da sociedade, que a seguir à guerra de 39-45 foi ocupado pelo discurso da economia política, com alcance além do estrito mercado. Ora, entre os factores que contam para as suas contas, um só não é reduzido, o capital, pela boa razão que ele é, de si mesmo, cifrado em moeda (qualquer que seja o proprietário, que é reduzido, obviamente). Uma vez que os altos lugares do capital são doravante multinacionais, afastados das unidades locais de habitação donde retiram os seus lucros, e uma vez que, lá no alto, o capital prevalece sobre a técnica e a sua poluição possível, o risco de devastações sociais e ecológicas permanece uma preocupação das populações, dos políticos e dos militantes, mas a nível local : ora é este nível local que é reduzido pelos números estatísticos globais que interessam nos altos lugares. Ora bem, é o que é reduzido da cena que exige que haja regulação, esta é essencial a qualquer cena, como se terá compreendido.
112. É pois a ausência duma sociologia científica susceptível de guiar as escolhas dos números a contar pelo economista (este tipo de escolha, essencialmente política, é feita por exemplo na elaboração de orçamentos) que tem como consequência que a economia jogue nos factos o papel de a ciência da sociedade (papel indispensável, é claro, é por isso que é tão perigoso). Incapaz de ultrapassar os limites da sua redução, de regressar à tradição da economia política do após guerra, ela ignora, pela sua estrutura monetarista, a lei da habitação ou ecologia, o cuidado da terra e dos vivos, enquanto que os defendem um desenvolvimento sustentável reclamam uma abordagem sistémica destas questões, que os economistas, ‘sistémicos’ também à sua maneira e em posição hegemónica, impedem, se for verdade que os seus critérios residem em números cada vezx mais altos. « O capital prospera, a sociedade degrada-se », escrevem Boltanski e Chiapello num belo e longo livro em que reclamam um « novo espírito da capitalismo » para que a civilização seja viável. Poder-se-ia transpor a lógica dos double binds às sociedades contemporâneas bem mais complexas : a guerra dos números enormes que se fazem as unidade multilocais (ou multinacionais) e as devastações que ela provocam – nas ecologias que alimentam as populações e nos seus empregos – nas sociedades nacionais, mais ou menos impotentes, mas ameaçadas do interior pelos descontentamentos e revoltas inevitáveis, que não deixarão de ter lugar, mais tarde ou mais cedo, essa guerra não pode deixar de ter repercussões sobre os próprios capitais financeiros. Talvez não esteja longe o dia em que se veja defender as propriedades privadas das unidades locais contra a sua multinacionalização com os mesmos argumentos de não há muito contra as nacionalizações. Um médico espanhol do século 19, Letamendi, escreveu isto : « do médico que não sabe senão medicina, podes estar certo de que nem medicina sabe ». É verdade também no que diz respeito ao filósofo, mas ainda é mais perigoso no economista. Já que o ‘eco’ (oikos, casa), que dá o nome à sua ciência tal como à ecologia, deveria ligar as duas disciplinas na mesma finalidade, à maneira da medicina : um fim terapêutico à habitação. É imperativo sem dúvida nenhuma que os economistas encontrem – urgentemente, porque já é tarde de mais – ume ‘economia política’ adequada, a terapia dos graves problemas que a globalização está a suscitar, tant de poluição e clima como de fome, doença e pobreza de milhões de humanos.



[1] Assim como as experimentação dum remédio para a doença dum certo órgão não podem, por elas mesmas, terem em conta todos os outros tecidos que podem recebê-lo no sangue, do que se chama efeitos secundários, seriam necessários outros ensaios.

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